sexta-feira, agosto 25, 2006

o que fica do "camino" ..

Procuro nas palavras a forma, o caminho para dizer o que do "camino" ficou.

Busco na memória as paisagens por onde passei, reencontro os encontros acidentais, volto a ouvir as conversas de fim de jornada; tento cheirar de novo a terra húmida da bruma da manhã; olho para as minhas mãos e relembro o toque do castanheiro com mais de mil anos que havia no centro da aldeia onde comprei o bordão que suportou os meus passos nos últimos dias; reencontro a força que nos guiou, sempre em frente, debaixo da chuva, do calor, do vento e das dores; revisito o olhar sábio e alegre do amigo Manuel; percorro as ruas de Santiago à chegada, dou os últimos passos; ouço de novo a minha voz que grita, CONSEGUIMOS, aquele som estridente que encheu a praça e voltou a molhar os olhos dos amigos, companheiros de caminhada...

Penso em tudo isto e sinto... sinto, mas não encontro o modo de expressão.

Como explicar que em cada passo, em cada sol a nascer, em cada olhar cúmplice, se celebra a vida, se sente a magia, se ouvem os passos de todos os que percorreram o caminho antes de nós; que entramos na verdadeira solidão, a do silêncio, aquela em que se ouve a terra respirar, o canto do corvo, a erva a crescer, o riso da criança que corre descalça na aldeia..

E como tudo isto é importante, como tudo isto é mágico e se sabe mágico..

E como tudo nos escapa na vida louca do dia a dia urbano.

E como pode um caminhante reentrar na mesma vida que deixou? Como pode o caminhante deixar de caminhar?
Como pode voltar a ganhar a vida sem sentir que a está a perder?
Não pode! Nada será como antes!

O caminho chama-me! Transforma-me! Tornou-me num espírito errante.

Os meus pés de gigante ganharam vida própria e querem regressar ao caminho!
Meu querido caminho, espera-me um pouco mais.. Cedo voltarei para o silêncio aconchegante dos teus braços! Por agora vou guardar-te numa gaveta bem quentinha dentro de mim.

A todos os caminhantes: Buen Camino! Ultreia! "el destino és el camino!"
Dos 310km de Leon a Santiago de Compostela
Para a Paulinha e o Manu

sábado, agosto 12, 2006

el Camino... de Leon a Santiago de Compostela

Começo hoje a minha aventura de 310 kms a pé. Leon é uma cidade muito bonita. A Catedral imensa. O Albergue simpático... Um bom começo..

Amanhä começamos a caminhar.

Ultreia!

sexta-feira, agosto 11, 2006

"E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos"

E POR VEZES - David Mourão Ferreira

quinta-feira, agosto 10, 2006


Há paisagens que sugam as palavras, deixando-as ocas, inúteis, sacos rotos.

Nesses momentos irrepetíveis, deixo o silêncio gritar... Inspiro fundo... A minha pele é acariciada pela aragem.... Abro os olhos, janelas escancaradas, e deixo a beleza entrar de mansinho e procurar um lugar na minha memória. É então que estendo a mão e procuro o amor....



Glaciar Pia - Chile - Outubro de 2005




quarta-feira, agosto 09, 2006


"Caminhar sobre a água não é um milagre. Um milagre é caminhar na terra [verde], vivendo profundamente no momento presente e sentindo-se verdadeiramente vivo."


Thich Nhat Hanh - Be still and know
Caminhando em Ushuaia - Argentina
Outubro de 2005

segunda-feira, agosto 07, 2006



Naquela manhã de Abril, a menina Berbere não esperava ver o céu do deserto inundado por Balões. Nunca foi além das dunas e tudo o que consegue imaginar como paisagem está ali, montanhas que se movem ao sabor do vento. À noite as estrelas são a sua companhia e entretém-se a contá-las quando os turistas escolhem dormir na sua tenda, desalojando a sua pequena família. Por isso, naquele amanhecer não esperava ver o céu cheio de cor, de máquinas voadoras e barulhentas. Como ela gostava de voar assim... Com os pés na areia ainda fresca, saltita e ri. Imagina que os apanha com as mãos, primeiro o amarelo, depois o azul... Num salto ainda maior, toma balanço e imagina-se a flutuar_"Como será o deserto lá de cima?". Feliz, por este presente inesperado, continua a correr de um lado para o outro, cada vez chegam mais. ..Um pouco retirada, partilho este momento de magia com a pequenina Berbere. Com ela aprendo a desfrutar o inesperado da vida e a multiplicá-lo com o sonho. A minha máquina registou a imagem e o meu coração o sentimento.

Viagem às Dunas de Merzouga - Marrocos - Abril de 2006