Procuro nas palavras a forma, o caminho para dizer o que do "camino" ficou.
Busco na memória as paisagens por onde passei, reencontro os encontros acidentais, volto a ouvir as conversas de fim de jornada; tento cheirar de novo a terra húmida da bruma da manhã; olho para as minhas mãos e relembro o toque do castanheiro com mais de mil anos que havia no centro da aldeia onde comprei o bordão que suportou os meus passos nos últimos dias; reencontro a força que nos guiou, sempre em frente, debaixo da chuva, do calor, do vento e das dores; revisito o olhar sábio e alegre do amigo Manuel; percorro as ruas de Santiago à chegada, dou os últimos passos; ouço de novo a minha voz que grita, CONSEGUIMOS, aquele som estridente que encheu a praça e voltou a molhar os olhos dos amigos, companheiros de caminhada...
Penso em tudo isto e sinto... sinto, mas não encontro o modo de expressão.
Como explicar que em cada passo, em cada sol a nascer, em cada olhar cúmplice, se celebra a vida, se sente a magia, se ouvem os passos de todos os que percorreram o caminho antes de nós; que entramos na verdadeira solidão, a do silêncio, aquela em que se ouve a terra respirar, o canto do corvo, a erva a crescer, o riso da criança que corre descalça na aldeia..
E como tudo isto é importante, como tudo isto é mágico e se sabe mágico..
E como tudo nos escapa na vida louca do dia a dia urbano.
E como pode um caminhante reentrar na mesma vida que deixou? Como pode o caminhante deixar de caminhar?
Como pode voltar a ganhar a vida sem sentir que a está a perder?
Não pode! Nada será como antes!
O caminho chama-me! Transforma-me! Tornou-me num espírito errante.
Os meus pés de gigante ganharam vida própria e querem regressar ao caminho!
Meu querido caminho, espera-me um pouco mais.. Cedo voltarei para o silêncio aconchegante dos teus braços! Por agora vou guardar-te numa gaveta bem quentinha dentro de mim.
A todos os caminhantes: Buen Camino! Ultreia! "el destino és el camino!"