natureza divina olho do Bóris - Outubro 2006
"...O único sentido íntimo das cousas
é elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
sem dúvida que viria falar comigo
e entraria pela minha porta dentro
dizendo-me Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
de quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
não compreende quem fala delas
com o modo de falar que reparar nelas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
e os montes e o sol e o luar,
então acredito nele,
então acredito nele a toda a hora,
e a minha vida é toda uma oração e uma missa,
e uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
e os montes e o luar e o sol,
para que lhe chamo então Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
porque se ele se fez, para eu o ver,
sol e luar e flores e árvores e montes,
se ele me aparece como sendo árvores e montes
e luar e sol e flores,
é que ele quer que eu o conheça
como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
como quem abre os olhos e vê,
e chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
e amo-o sem pensar nele,
e penso vendo e ouvindo,
e ando com ele a toda a hora."
Alberto Caeiro - O Guardador de Rebanhos