terça-feira, outubro 03, 2006

solriso

Pedro era um menino tímido de 6 anos de idade. Na escola andava sempre sozinho, fugia dos outros meninos. Na hora do recreio pedia à professora para ficar na sala. Não por não gostar dos outros meninos, pelo contrário, costumava observá-los à distância, escondido por trás da porta, desejando juntar-se a eles para jogar à bola. Também não era por receio, pois ele sabia jogar muito bem, em casa da avô, costumava treinar, dava cada chuto que a bola só parava no telhado... Não, também não era por orgulho, não era por já terem desistido de o convidar.. O Pedro era um bom menino e não era muito diferente dos outros. Muito não, mas havia uma coisa que em não era igual: no sorriso.

Não se sabia muito bem porquê, mas desde que nascera, o Pedro nunca conseguiu sorrir. E ele bem que se esforçava. Sempre que alguém lhe sorria, queria retribuir, mas a única maneira era puxar os cantos da boca com as mãos. O que sabia ser ridículo. Nessas ocasiões, fugia, a chorar. Ninguém percebia _ Se calhar é tontinho, coitado!

Que triste um menino sem sorriso... É como um pássaro que não sabe voar, sempre a saltitar... Falta-lhe o azul do céu e o vento para planar... É triste pois não é livre. E o pássaro não nasceu para ficar no chão... Era assim o Pedro, um pássaro que não sabia voar.

Que frustração, deveria ser tão fácil como respirar. Uma coisa que nascesse com ele, em que não tivesse que pensar. Mas nada era tão difícil como sorrir. Nem as contas na escola, nem os textos do livro de Português.., o Pedro até era o primeiro da turma. Mas sorrir...já nem digo rir, pois sorrir era tudo quanto ambicionava,.... não, não conseguia!

Este era um problema tão grande que o impedia de fazer e desfrutar de muitas das coisas que os outros meninos gostavam. Por exemplo, nunca ia ao Circo. Não por não gostar de Palhaços, ele adorava-os, mas quando eles faziam Palhaçadas só chorava, pois não conseguia rir... Sabendo que o fazia sofrer, os seus pais já tinham desistido dessa terapia. E tantas terapias haviam tentado....

Desde os 2 anos que o levavam a todos os médicos de que ouviam falar. Mas era um mistério, até parecia um encantamento. Não era nada físico. Nenhum problema muscular. O Pedro fazia tudo o resto, comer, falar, cantar.. Não era nenhum trauma que conseguissem identificar e também não era falta de amor. Os pais adoravam-no. E como se afligiam. Eles bem que tentavam não mostrar ao Pedro como sentiam a sua diferença. À frente dele agiam com naturalidade: falavam-lhe com carinho, contavam-lhe histórias, perguntavam-lhe pela escola, aos Domingos faziam-lhe a sua sobremesa favorita (mousse de chocolate), levam-no a passear à beira do rio...., sem nunca lhe pedirem um sorriso. Mas à noite, ele bem ouvia a sua mãe chorar... E como lhe doía faze-la assim tão triste. Logo a ela, que era um Anjo a sorrir.


Farto de ser diferente, o Pedro decidiu que iria procurar ajuda, mas à sua maneira.

Uma noite, levantou-se sorrateiro e saiu de casa em direcção ao bosque que havia ali perto. Tinha esta ideia que se conseguisse subir ao alto de uma árvore e pedir ao sol, quando nascesse, para lhe conceder a graça de o fazer sorrir, de certo ele o ajudaria.

O Pedro tinha muito respeito pelo Sol. Quando lhe falavam em Deus, era no sol que pensava. Pois se Deus tudo via, era por que estava lá no alto, em posição privilegiada de ver. Então, Deus só podia ser o Sol. Só que Deus precisava de estar em todo lado e isso, ao contrário do que lhe diziam, ele sabia ser impossível. Era por isso que o Sol se repartia com a Lua e, por isso, havia noite e, por isso, havia Inverno. Assim, o Pedro achava natural que Deus ainda não o tivesse visto, logo, que não o tivesse ouvido. E a Lua, toda a gente sabe, não tem os mesmos poderes que o Sol. Além disso, é um bocado míope. Acreditava assim que se subisse à árvore mais alta do bosque, antes de o Sol nascer, seria o primeiro que o Sol veria, assim que chegasse.

Então, lá seguiu para o bosque, em busca da árvore mais alta. No caminho teve medo, claro, pois ele tinha muita imaginação e havia tantos barulhos... não faltaram Duendes e Fantasmas para o assustar, mas o Pedro era valente. Agarrou a lanterna com toda a força, cerrou os dentes e seguiu, sempre em frente, determinado.

E lá chegou, ao pé da árvore mais alta. Era um Freixo, muito velho e imponente. Pelo respeito que sentiu, lá chegado, disse-lhe ao que vinha e o Freixo, compreensivo, convidou-o a subir pelo seu tronco acima, oferecendo-lhe os seus braços como escadas. Mas mesmo assim, não foi uma tarefa fácil. Demorou uma boa meia-hora a subir. Quando chegou ao topo já a noite se rosava. Empoleirou-se então no ramo mais alto, à espera.

Passado um pouco, ainda mal tinha desfrutado da paisagem que gozava lá de cima, eis que surge o Sol ...belo, grandioso... Primeiro emudeceu, mas lembrando-se ao que vinha, lá lhe falou. No princípio a medo, depois mais seguro, lá lhe contou tudo.. Para seu espanto, o Sol calou-se, parecia reflectir... Passados alguns minutos, de repente, sem explicação, desatou a rir, a gargalhar, tanto que ficou quente e até a Lua fugiu a correr [é que a Lua não se dá com o calor]. Seja como for, o sol riu, riu e riu...o Pedro nem sabia o que pensar. Primeiro, espantou-se, depois indignou-se e a seguir acalmou-se. Começou a reparar na situação _ Onde é que já se viu o Sol rir assim?... E era tão engraçado, rebolava-se todo, lançava os raios para o alto, como tentáculos de polvo e ria, ria... E como é tão gordo, a rir, fica mal jeitoso, ridículo... E o Pedro, espantado, começou a sentir uma cócega morna... uma coisa que lhe nascia na barriga, que foi subindo, subindo, até que lhe rebentou na boca, como aqueles rebuçados com líquido lá dentro... Quando deu por si, ria, com a boca toda aberta, dentes de fora e tudo. Tanto, que tinha que agarrar a barriga (como via os meninos fazerem de vez em quando, agora percebia). Tanto, que até as lágrimas lhe escorriam pela cara a baixo. Só que, desta vez não era de chorar, mas de rir.

O que o sol lhe disse, quando se acalmaram ambos, é um segredo só deles. No entanto, vos digo, desde então, sempre que fica triste, no alto do Freixo o Pedro vamos encontrar.

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