segunda-feira, outubro 02, 2006

natureza divina

olho do Bóris - Outubro 2006

"...O único sentido íntimo das cousas

é elas não terem sentido íntimo nenhum.

Não acredito em Deus porque nunca o vi.

Se ele quisesse que eu acreditasse nele,

sem dúvida que viria falar comigo

e entraria pela minha porta dentro

dizendo-me Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos

de quem, por não saber o que é olhar para as cousas,

não compreende quem fala delas

com o modo de falar que reparar nelas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores

e os montes e o sol e o luar,

então acredito nele,

então acredito nele a toda a hora,

e a minha vida é toda uma oração e uma missa,

e uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores

e os montes e o luar e o sol,

para que lhe chamo então Deus?

Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;

porque se ele se fez, para eu o ver,

sol e luar e flores e árvores e montes,

se ele me aparece como sendo árvores e montes

e luar e sol e flores,

é que ele quer que eu o conheça

como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,

(que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).

Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,

como quem abre os olhos e vê,

e chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,

e amo-o sem pensar nele,

e penso vendo e ouvindo,

e ando com ele a toda a hora."

Alberto Caeiro - O Guardador de Rebanhos




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