quinta-feira, setembro 28, 2006

tempo de carvalho

Há muitos, muitos anos, já lá vão mais de mil, minha mãe soltou-me para o mundo, ainda o dia ia comprido e o Verão fecundo. Foi num prado verde que caí, o prado do Carvalhal. E, como sempre acontece, foi por uma série de acasos, que fiquei, germinei e cresci, o Carvalho que hoje sou, da bolota que era antes.

Quase me comeu o bacorinho que por ali passou. Quase me levou o esquilo do Carvalho grande. E o menino da aldeia, que vinha para ali brincar, um dia chutou-me para o alto e, por sorte, ao lago não fui parar. Quis assim o destino que na terra fofa caísse e que, nas andanças de quem por ali passava, a pouco e pouco me enterrasse e de chuva fosse molhada. Este foi o tempo antes de tudo.

Mas os dias foram passando, e dentro de mim foi germinando, a alma grande e tranquila do Carvalho da Vila. Volvidos tantos e tantos anos, sol posto, sol nascido, Verão, atrás de Verão, fui crescendo. Folha nascida, folha caída, fui alargando. Meu tronco cresceu, alto e orgulhoso. Minha pele endureceu e enrugou, quase tanto como a do meu primo Sobreiro que hoje mora ali mais adiante. E este foi o tempo do começo de tudo.

Alegre e altaneiro, ali estava eu, no prado. Estação após estação, Esquilos escolhiam-me para seu abrigo. E as suas correrias, que maravilha,faziam-me cócegas com as patitas, e eu ria... Tanto quanto pode rir um carvalho velho, com os braços e tudo. E o mocho, como eu gostava do mocho, à noite fazia-me companhia – Uuh-uuh! – que alegria. Ah! E o pastor, que vinha com o seu rebanho, parava sempre na minha sombra a descansar, entregando-se à minha guarda, para os seus sonhos velar. E como ele sonhava, às vezes até chamava dormindo _ Maria, Maria..(acho que era a sua ovelha favorita). E este foi o tempo da Alegria.

Depois, já não me recordo bem quando, mas um dia, enquanto dormia, máquinas (hoje sei que é assim que se chamam, foi o Joãozinho que me ensinou, de quem ainda não falei, mas que o meu melhor amigo se tornou) vieram para o prado. E com seu ronco grave me acordaram e começaram a cortar. Oh! Que lágrimas chorei, quando minha mãe levaram. Sim, um Carvalho também chora! Chorei as minhas folhas todas, ainda o Verão ia no princípio. Creio que a minha mãe foi a primeira, e, depois, todos os outros se seguiram. Foi só por sorte, pelo chuto que levei me ter deixado, aqui caído no meio de tudo, que não fui também cortado. E este foi o tempo que pensei ser o último.

E aqui fiquei, só, no meio do prado que já não era. Com tanta agitação à minha volta que mal conseguia dormir. Fechei os olhos, pensei, para não mais abrir. Esperando, rezando, que também a mim me levassem. É que já não havia Esquilos, nem Mocho, nem Pastor. E este foi o tempo em que deixei de existir.


Calor frio, calor. Molhado, seco, molhado. Assim, media eu o tempo. E um dia, que sobressalto, uma cócega, debaixo do braço. Será? Poderia ser?.. Já nem me lembrava... Abri os olhos. Pisquei-os, pois a luz já não conhecia. Mas a pouco e pouco, fui me habituando, e que vi?... à minha volta uma praça e, eu, no meio de um bonito jardim. Mais adiante, rodeando a praça, casas grandes, altaneiras, mas não tão grandes como eu, Carvalho Orgulhoso. Mas melhor que tudo, trepando por mim acima, fazendo-me cócegas de novo, o João, hoje, meu maior amigo... E este foi o tempo do recomeço de tudo!

2 comentários:

Anónimo disse...

Excelente sua história, Nina, parabéns. Sou do Brasil, e se quiser trocar idéias por e-mails, me avise: rpbiazonebarros@hotmail.com abraço, Roque Paulo.

Roque disse...

Que bela história, Nina, dos tempos de antes de tudo, dos tempos da magia, para onde retornaremos algum dia, gosto muito disso. Podemos conversar por mail? roque_barros@hotmail.com Abraço.